Os muitos mistérios das
viagens aéreas
David Pogue
20/09/2013 - 13:32
Se
a tecnologia e as viagens de avião sempre andaram de mão dada, elas estão cada
vez mais interligadas. Da segurança no aeroporto às regras sobre a utilização
de dispositivos electrónicos durante o voo, passando pelo destino final do
conteúdo das sanitas, os aviões e a tecnologia são uma fonte permanente de
conflitos, paixões… e perguntas.
Se gostar das respostas, recomendo
vivamente a leitura do novo livro de Patrick Smith, Cockpit Confidential. O autor é
piloto e autor de um blogue. Muito do formato e do conteúdo do livro constam da
sua página na net, AskThePilot.com, ou do arquivo da coluna Ask the Pilot, que escreveu
durante anos para a Salon.com.
Porém, como passageiro frequente, eu preferiria de longe ter o livro, que é uma
obra muito mais extensa de perguntas e respostas sobre aviões, aeroportos,
companhias aéreas e a psicologia das viagens aéreas. Eis alguns excertos –
factos que todos os passageiros devem conhecer:
“Tenho imenso medo da turbulência. Justificadamente?”
Não. “Um avião pode ser virado de pernas para o ar, começar a cair em parafuso
ou ser sacudido por uma fortíssima rajada de vento ou um poço de ar. Isso pode
ser aborrecido ou desconfortável para quem vai a bordo, mas o avião não vai
cair.”
“Se todos os motores de um avião a jacto falharem, o aparelho pode planar
até aterrar?”
Sim. “Não há maior perspectiva de calamidade iminente do que desligar o motor
do carro numa descida. O carro continua a andar e o avião também.”
“Sei que os aviões podem alijar combustível. Isso é feito para que a carga
seja menor ao aterrar?”
Sim. “Por várias razões, sendo a mais óbvia que aterrar esforça mais a
estrutura de um avião que a descolagem.” Mas Patrick Smith também sublinha que
só alguns modelos de avião o podem fazer – nomeadamente, os maiores. “O 747, o
777, o A340 e o A330 podem alijar combustível. Um 737, um A320 ou um RJ não
podem. Estes aviões a jacto mais pequenos têm de gastar o combustível voando em
círculos ou, se necessário, aterram com carga a mais.”
“O que acontece se o avião for atingido por um relâmpago?”
Nada. A energia “é descarregada para o exterior graças ao revestimento de
alumínio do avião, que é um excelente condutor de electricidade”.
“O conteúdo das sanitas do avião é alijado durante o voo?”
Não. “Não há forma de alijar o conteúdo dos lavabos durante o voo.” Ele é
transferido para um camião-tanque quando o avião aterra.
“O que significam os sinais sonoros?”
Há dois tipos de sinais sonoros. “O primeiro é, basicamente, apenas um
telefonema” da cabina de pilotagem para os comissários de bordo que significa
“atendam o intercomunicador”. O outro é um “dispositivo de sinalização para o
pessoal de cabina” – quando o aviso de colocação dos cintos de segurança é
activado ou desactivado, quando o avião atinge os 10 mil pés de altitude (e já
se podem utilizar dispositivos electrónicos) e quando o avião começa a descer
e, portanto, está na altura de o preparar para a aterragem.
“Muitos dos códigos de três letras dos aeroportos não fazem sentido.”
Os que não são óbvios são, provavelmente, remanescências dos antigos nomes
desses aeroportos. “MCO deriva de MCCoy Field, o antigo nome do Aeroporto
Internacional de Orlando. A identificação do Chicago O’Hare, ORD, é uma
homenagem ao antigo Orchard Field.”
Já agora, devo referir que este livro tem bastantes passagens cómicas. Por
exemplo, diz o autor: “Em 2002, foi lançada uma campanha para mudar a
identificação do aeroporto da Cidade de Sioux, no Iowa, de SUX [que em inglês
se lê como a palavra da expressão “that sucks”, que quer dizer “que
chatice”] para algo mais recomendável – sem êxito.”
“É-nos dito que, basicamente, os aviões comerciais modernos podem voar
sozinhos.”
Decididamente, não. “Um avião é tão capaz de voar sozinho como uma sala de
cirurgia moderna é capaz de, por si só, fazer operações.” O piloto automático é
uma ferramenta, mas “é preciso dizer-lhe o que deve fazer, quando e como”.
“Qual a razão das antipáticas regras relativas às cortinas, aos recostos dos
assentos, aos suportes dos tabuleiros e às luzes da cabina durante a
aterragem?”
“O suporte de tabuleiro tem de ser fechado para que, na eventualidade de um
impacto ou de uma desaceleração súbita, não seja cortado ao meio por ele. A
restrição do grau de reclinamento das costas do assento proporciona um melhor
acesso à coxia, para além de manter o seu corpo na posição mais segura.” Por
seu lado, ao levantar a cortina, “é mais fácil para os comissários de bordo
avaliar perigos no exterior – incêndio, destroços – que possam interferir com
uma evacuação de emergência”. A redução da intensidade das luzes tem a ver com
o mesmo.
“É verdade que os pilotos reduzem os níveis de oxigénio para manter calmos
os passageiros?”
Não.
“É possível a uma pessoa doida ou mal-intencionada abrir uma das portas
durante o voo?”
Não. “Não é possível – repito, não é possível – abrir as portas ou os fechos de
emergência de um avião durante o voo. A pressão da cabina não o permite.”
“A utilização de telemóveis e dispositivos electrónicos é mesmo perigosa
durante o voo?”
Depende. Os computadores portáteis têm de ser guardados por ocasião da
descolagem e aterragem “para que não se tornem projécteis de alta velocidade se
ocorrer um impacto ou uma desaceleração súbita”. Quanto aos tablets e aos leitores de livros electrónicos,
“é difícil levar uma proibição a sério quando tantos pilotos utilizam agora tablets no cockpit”.
É por isso que a Administração Federal da Aviação está a considerar aligeirar a
proibição de utilização deste tipo de dispositivos.
E os telemóveis podem realmente interferir no funcionamento dos aparelhos da
cabina de pilotagem? Provavelmente, não. “Arrisco-me a dizer que, pelo menos,
metade dos telemóveis, por esquecimento ou preguiça, são deixados ligados
durante o voo. Se isto fosse efectivamente meio caminho andado para uma
desgraça, acho que já teríamos provas disso.”
Os meus bocadinhos preferidos do livro Cockpit
Confidential são as queixas
de Patrick Smith. Além de piloto, ele é também passageiro frequente, pelo que
está perfeitamente habilitado para cascar na estupidez dos métodos de embarque
num avião e nas medidas dispendiosas mas erradas e até absurdas da
Administração para a Segurança nos Transportes [TSA] norte-americana. (Uma das
passagens mais cómicas do livro é a história de quando ele tentou levar
talheres – “que faziam parte do meu kit de sobrevivência nos hotéis” – da sua
companhia aérea para bordo de um avião. O agente da TSA confiscou-os – apesar
de serem os mesmíssimos talheres que a própria companhia aérea distribui aos
passageiros durante o voo!)
A verdade é que o mundo seria um sítio melhor se esta indústria não se rodeasse
de tanto secretismo. O que os pilotos fazem é escondido por detrás de portas de
segurança reforçada, falam com os comissários de bordo por sinais e em código e
a política de horários e preços das companhias aéreas é sempre misteriosa.
Prestariam um melhor serviço a todos (incluindo a si próprias) se usassem de um
pouco mais de transparência.
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