segunda-feira, 7 de outubro de 2013

"O MY BE MAN"- POR MIA COUTO

O “May be man” – Por Mia  Couto




Existe o “Yes man”. Todos sabem quem é  e o mal que causa. Mas existe o May be man. E poucos sabem quem é. Menos  ainda sabem o impacto desta espécie na vida nacional. Apresento aqui essa  criatura que todos, no final, reconhecerão como  familiar.

O May be man vive do “talvez”. Em  português, dever-se-ia chamar de “talvezeiro”. Devia tomar decisões. Não  toma. Sim­plesmente, toma indecisões. A decisão é um risco. E obriga a  agir. Um “talvez” não tem implicação nenhuma, é um híbrido entre o nada e  o vazio.
A diferença entre o Yes man e o May be  man não está apenas no “yes”. É que o “may be” é, ao mesmo tempo, um “may  be not”. Enquanto o Yes man aposta na bajulação de um chefe, o May be man  não aposta em nada nem em ninguém. Enquanto o primeiro suja a língua numa  bota, o outro engraxa tudo que seja bota  superior.
Sem chegar a ser chave para nada, o May  be man ocupa lugares chave no Estado. Foi-lhe dito para ser do partido..  Ele aceitou por conveniên­cia. Mas o May be man não é exactamente do  partido no Poder. O seu partido é o Poder. Assim, ele veste e despe cores  políticas conforme as marés. Porque o que ele é não vem da alma. Vem da  aparência. A mesma mão que hoje levanta uma bandeira, levantará outra  amanhã. E venderá as duas bandeiras, depois de amanhã. Afinal, a sua  ideolo­gia tem um só nome: o negócio. Como não tem muito para  negociar, como já se vendeu terra e ar, ele vende-se a si mesmo. E  vende-se em parcelas. Cada parcela chama-se “comissão”. Há quem lhe chame  de “luvas”. Os mais pequenos chamam-lhe de “gasosa”. Vivemos uma  na­ção muito gaseificada.
Governar não é, como muitos pensam,  tomar conta dos interesses de uma nação. Governar é, para o May be Man,  uma oportunidade de negócios. De “business”, como convém hoje, dizer.  Curiosamente, o “talvezeiro” é um veemente crítico da corrupção. Mas  apenas, quando beneficia outros. A que lhe cai no colo é legítima,  patriótica e enqua­dra-se no combate contra a  pobreza.
Afinal, o May be man é mais cauteloso  que o andar do camaleão: aguarda pela opi­nião do chefe, mais ainda  pela opinião do chefe do chefe. Sem luz verde vinda dos céus, não há luz  nem verde para ninguém.
O May be man entendeu mal a máxima cristã de “amar o próximo”. Porque ele ama o seguinte. Isto é, ama o governo e o governante que vêm a seguir. Na senda de comércio de oportunidades, ele já vendeu a mesma oportunidade ao sul-africano. Depois, vendeu-a ao português  ao indiano. E está agora a vender ao chinês, que ele imagina ser o “próximo”. É por isso que, para a lógica do “talvezeiro” é trágico que surjam decisões. Porque elas matam o terreno do  eterno adiamento onde prospera o nosso indecidido  personagem.
O May be man descobriu uma área mais  rentável que a especulação financeira: a área do não deixar fazer. Ou numa  parábola mais recente:  o não deixar. Há investimento à vista? Ele complica até deixar de haver. Há projecto no fundo do túnel? Ele escurece o final do túnel. Um pedido de uso de terra, ele argumenta que se perdeu a papelada. Numa palavra, o May be man actua como polícia de trânsito corrupto: em nome da lei, assalta o  cidadão.
Eis a sua filosofia: a melhor maneira de fazer política é estar fora da política. Melhor ainda: é ser político sem política nenhuma. Nessa fluidez se afirma a sua competência: ele sai dos princípios, esquece o que disse ontem, rasga o juramento do passado. E a lei e o plano servem, quando confirmam os seus interesses. E os do chefe. E, à cautela os do chefe do chefe.
O May be man aprendeu a prudência de não dizer nada, não pensar nada e, sobretudo, não contrariar os poderosos. Agradar ao dirigen­te: esse é o principal currículo. Afinal, o May be man não tem ideia sobre nada: ele pensa com a cabeça do chefe, fala por  via do discurso do chefe. E assim o nosso amigo se acha apto para tudo. Podem no­meá-lo para qualquer área: agricultura, pescas, exército,  saúde. Ele está à vontade em tudo, com esse conforto que apenas a  ignorância absoluta pode conferir.
Apresentei, sem necessidade o May be man. Porque todos já sabíamos quem era. O nosso Estado está cheio deles, do topo à base. Podíamos falar de uma elevada densidade humana. Na realidade, porém, essa densidade não existe. Porque dentro do May be man não há ninguém. O que significa que estamos pagando salários a fantasmas. Uma fortuna bem real paga mensalmente a fantasmas. Nenhum país, mesmo rico, deitaria assim tanto dinheiro para o vazio.
O May be Man é utilíssimo no país do talvez e na economia do faz-de-conta. Para um país a sério não serve.  

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